O ESTUDO TRATÁ RECOMPENSA. AINDA QUE TARDIA
Todos aqueles que, como eu, durante os anos 80 jogaram “Atari”, brincaram de ‘Salada Mista’, e já tinham maturidade para rir das piadas do ‘Viva o Gordo’ e sentir borboletas voarem no estômago por um alguém especial da classe, sabem muito bem o que significava naqueles anos a palavra ‘nerd’. Nossa! Ninguém queria ser assim rotulado, aquilo soava como um xingamento.
Tudo isso graças a uma infeliz estratégia dos roteiristas e diretores hollywoodianos.
Hollywood havia-se obcecado pelo arquétipo do (anti)-herói franzino e branquelo no início dos anos 80, porém inteligente e sensível. Apaixonado por ciências, membro de uma fraternidade apinhada de BVs (bocas virgens) que se vestiam com as roupas dos avôs, colecionavam insetos peçonhentos e programavam excêntricos micro-computadores. Este assíduo personagem, apesar de representar o jovem que levava o estudo a sério, era o estereótipo do fracasso.
Entre ele e seu maior rival, o jogador do time de futebol americano (ou beisebol) da escola, não havia intermediários; separados por uma linha imaginária que cortava ao meio o refeitório e legitimava o antagonismo entre dois grupos, cada qual, em seu território, enxergava no outro uma ameaça constante, seja pela falta de músculos ou de cérebro. Na maioria dos casos os nerds acabavam se tornando os campeões morais da disputa, muito embora fosse difícil acreditar que na vida real alguém com aquele conjunto de características conseguisse sobreviver sequer a uma volta pelo quarteirão.
Mas, quando os anos 90 chegaram, os dilemas retratados nos filmes adolescentes norte-americanos eram outros. Ter um laptop sobre a escrivaninha não mais denotava solidão ou esquisitice, muito pelo contrário, afinal, graças a sujeitos como Steve Jobs e Bill Gates – e ao império multibilionário que construíram – os computadores haviam se tornado populares.
O mundo preparava-se para surfar a era digital, uma onda, diga-se, que muito se atribui a genialidade destes dois incontestáveis embaixadores da filosofia nerd. De repente, era como se cada um daqueles caras que na década passada haviam sido espezinhados por seus hábitos e aparências peculiares se transformassem em potenciais candidatos a repetir a história de fama e fortuna protagonizada por Steve e Bill.
De acordo com um artigo recém publicado pela BBC News, o reflexo desta ‘nerdificação’ da sociedade começou a ser percebida em meados dos anos 2000, quando o termo assumiu uma conotação neutra, sendo paulatinamente substituído pela expressão ‘geek’, utilizada para referenciar conhecimento abundante e específico sobre determinado tema, mas sem caráter pejorativo. Nos dias de hoje, é comum, inclusive, observar certo ‘orgulho geek’, sinal dos tempos de uma época em que Mark Zuckerberg redefine o conceito de sociabilidade para toda uma geração, e que, nos cinemas, roteiros adaptados de histórias em quadrinhos arrebatam bilheterias estratosféricas, enquanto, na TV, Sheldon Cooper reina como ídolo absoluto em ‘Big Band Theory’.
A tendência sugerida pela involuntária limpeza terminológica dos nerds, acreditem ou não, tornou-se a bandeira a ser hasteada por um movimento sueco que reivindica a correção da palavra nos dicionários. Como sempre, há quem discorde. Nos fóruns de discussão sobre o tópico na web é possível encontrar integrantes da tribo que consideram ter havido uma banalização do termo: o que antes designava alguém apaixonado e muito bom em determinado assunto (ainda que fosse literatura guatemalteca ou ciclo de vida das libélulas), atualmente faz referência a aspectos culturais transitórios e irrelevantes, tais como usar um estilo de roupa, frequentar lugares específicos ou assistir a certos programas. Seriam o geeks de hoje uma versão aguada dos nerds de ontem?
Sobre o intrigante ressurgimento dos nerds como heróis tardios, o célebre novelista norte-
americano William Gibson sentenciou: “esses caras que eram bons em futebol perderam seus empregos, enquanto aqueles que não eram bons em futebol e podiam ter dificuldade em arrumar namoradas quando eram adolescentes, mais do que ganhando muito dinheiro, estão mudando o mundo”.
Agora fica a pergunta, quem é a piada mesmo? Certamente, não são aqueles ex-adolescentes que dedicaram os anos 80 aos estudos!