ALMANAQUE BAIANO

30 de novembro de -1 \\ Almanaque Baiano

Citação da Semana
A igreja muda ou acaba. Mário França, teólogo brasileiro que integrou a Comissão Teológica do Vaticano por 11 anos.
... e Yoani Sánchez, quem diria, acabou reprimida em Feira de Santana
Cuba, todo mundo sabe, é aquela ilha caribenha governada há décadas por um ditador, que recentemente passou o poder a um irmão menos ancião, mas igualmente ditador. A ilha e seu regime são elogiadíssimos por brasileiros estrelados que, sempre do alto de suas coberturas em Ipanema e no Leblon, não cansam de tecer loas ao castrismo (antes, de Fidel e, agora, de Raul. Mas pergunte se algum deles gostaria de morar lá... Aliás, os comunistas brasileiros mais íntimos de Fidel são vistos sempre nas colunas sociais e políticas em altas rodas: passeios em barcos nababescos de empresários amigos, reveillòn e castelos em Paris e praias paradisíacas cujos spas têm diárias que alimentariam por uma década a família inteira de Yoani. Zé Dirceu e Fernando Morais que o digam. Nas balaustradas do Malecón ninguém aparece.
Aqui, na Bahia, desde o desembarque, segunda-feira, da blogueira cubana Yoani Sánchez, alçada ao posto de inimiga número 1 dos irmãos Castro, armou-se um alvoroço surreal. Um deputado estadual daqui, um líder estudantil dali e uns comunas de pijama dacolá entraram em pé de guerra, mais raivosos que índios quando se pintam de vermelho para a dança da guerra. O palco maior da cena até aqui? Feira de Santana, destino de Yoani imediatamente após desembarcar para participar do lançamento de um documentário sobre Cuba e do qual ela participa. Por pouco, a cubana não recebeu dos comunas de plantão em Feira tratamento semelhante ao dado aos integrantes da banda New Hit, em julgamento no Fórum de uma cidade ali por perto, Ruy Barbosa, acusados da prática de estupro coletivo contra fãs e, por isso, ameaçados de linchamento.
Se os amigos baianos de Fidel e Raul não se levassem tão a sério e não se acreditassem tão ameaçadores, estaríamos diante de uma comédia, com direito, inclusive, à participação coadjuvante do senador paulista Eduardo Suplicy, que se desterrou de suas bandas para dar apoio receptivo à moça. Impagável como sempre, nos telejornais de segunda à noite e terça Suplicy aparecia de dedo em riste e aos gritos, num arremedo do personagem mas recente de Tarantino, o destemido e incontido Django. Como um Django desarmado, Suplicy urrava para os comunistas incontíveis que não deixam Yoani falar nem tampouco entrar na sala de cinema para ver o documentário, cuja exibição foi cancelada. Gritava, com a mãozinha no alto e o dedão indicador chamando os protestantes para a briga retórica: “vem aqui discutir comigo, vem; seja corajoso, vem aqui discutir comigo”. Mais comédia, impossível. Um regime político que considera aquela moçoila uma inimiga que justifica até mesmo o envio de dossiês diplomáticos ao governo brasileiro sobre sua periculosidade ideológica só pode ser objeto de gargalhada.
Para dar à cena o frescor da juventude, estavam também meninos e meninas do movimento estudantil, essa categoria formada em grande parte por alunos que não querem jamais terminar a faculdade e odeiam estudar, justamente para não sair da universidade nem do movimento, pois é graças a este que circulam por aí custeados. Mesmo separado por décadas dos comunas de pijama, os jovens do movimento estudantil têm em comum com aqueles a aversão pelo direito de expressão de quem diverge de suas opiniões quanto às qualidades dos companheiros Lenin e Stálin, e o gosto pelo uso de termos como ‘imperialismo ianque’, para eles uma palavra tão atual quanto byte,  convergência e ziriguidum. A blogueira, por sua vez, de tão acostumada à repressão, está achando tudo lindo e democrático. Se chegasse um pouco antes, corria o risco de levar um pito de Oscar Niemeyer. (Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da UFBA).
Candidato
Os deputados Nelson Pelegrino, Valmir Assunção e Josias Gomes tiveram um encontro (21) à noite, num restaurante em Itapuã, uma reunião com o ex-prefeito Luiz Caetano, mas antes mesmo de sua realização uma decisão é certa: o nome de Caetano será levado ao PT no processo de escolha do candidato a governador em 2014.
O encontro é um desdobramento de outro, ocorrido no fim de semana passado, no sítio de Caetano, para tratar do mesmo assunto. Desta vez com a presença de Pelegrino.
Apesar de Wagner ter dito que só trataria da questão no último trimestre deste ano ou primeiro do próximo, a precipitação das discussões ocorre por uma certeza nas bases petistas: “Quanto mais demorar, mais vamos deixar espaço para o crescimento da candidatura de Otto” [Alencar, vice-governador, do PSD].
Pressão
Há, no grupo ligado a Caetano, consciência da força eleitoral de Otto, e isso é mais um motivo para a movimentação atual, porque, se a presidente Dilma Rousseff – que teve sua reeleição lançada pelo ex-presidente Lula – estiver “fraca” em 2014, o próprio Lula pressionaria para que, na Bahia, o candidato fosse alguém que pudesse agregar mais votos.
Repetir-se-ia, na visão desses analistas, o quadro de 1994, quando o petista Zezéu Ribeiro foi rifado pelos próprios companheiros em favor do tucano Jutahy Júnior, que teria mais condições de ajudar Lula no seu primeiro confronto com Fernando Henrique Cardoso. O PSDB baiano, como se recorda, não apoiou FHC devido a sua aliança com o então governador ACM.
A articulação pró-Jutahy foi patrocinada por Jaques Wagner, em combinação com Lula, e atendeu também a um interesse local: Wagner não tinha tido um primeiro mandato de deputado federal muito feliz, e a composição permitiu que ele herdasse votos nas bases de Jutahy para garantir a própria reeleição.

Candidatos de Fantasia
Ao longo dos últimos 20 anos, a política brasileira, no fundamental, foi regida pela polarização PT/PSDB. Desde 1994, todos nossos presidentes da República saíram de um dos dois partidos.
Seria razoável imaginar que essa polaridade será rompida na próxima eleição? Parecem significativas as chances de que o futuro presidente venha de outra legenda?
Quem acompanha os comentaristas e analistas da “grande imprensa” deve estar acreditando que sim. De tanto ouvir falar em terceiros ou quartos nomes, talvez suponha que esse longo ciclo se encerrará ano que vem.
Não há, no entanto, sustentação para a hipótese, salvo especulações despropositadas. O que quer dizer que teremos mais uma eleição que culminará com o eleitorado escolhendo entre os candidatos de um ou outro.
Isso, é claro, não implica que não possamos ter várias candidaturas, vindas de muitos partidos. Em 1994, foram oito; em 1998, doze. Na primeira eleição vencida pelo PT, seis candidatos disputaram. Na segunda, oito. Em 2010, passaram a nove.
Em todas essas eleições, tivemos nomes que saíram “consagrados” das urnas, saudados como fenômenos por conseguir desempenho considerado surpreendente.
Em 1994, o fato novo foi o pitoresco Enéas Carneiro, com seus quase 7,5% dos votos válidos. Em 1998, foi Ciro Gomes, que beirou 11%. Na seguinte, Garotinho quase obtém 18%. Em 2006, Heloisa Helena chegou a 8%. Na mais recente, Marina Silva arremeteu no final e ultrapassou 19%.
Ou seja: mesmo em uma eleição tão sui generis quanto a primeira de Fernando Henrique, costuma aparecer alguém para atrapalhar a bipolaridade. No máximo, porém, como Garotinho ou Marina, se aproximam dos 20%.
Curioso é especular a respeito dessas “surpresas” no médio prazo. Sem falar de Enéas, que já morreu, todos emagreceram: Ciro, que parece haver desistido da política nacional; Heloísa Helena, que virou vereadora; Garotinho, que sobrevive graças a seu feudo no Norte Fluminense. (Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi).
 

Almanaque Baiano