Você sabe ouvir?
Você, caro leitor, tem um bom ouvido? São poucas as pessoas que, de fato, sabem ouvir. Aliás, essa reflexão me remete a outra pergunta: para você, leitor amigo, o que é saber ouvir? Tenho certeza que a maioria está a pensar que saber ouvir significa simplesmente saber calar-se, prestando atenção ao próximo. Isso, sem dúvidas, é importante, afinal se não soubermos à hora de nos calar nunca aprenderíamos nada de novo com ninguém. No entanto, não é bem essa a qualidade que agora exalto.
Saber ouvir também é manter-se atento a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados. Ou seja, não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, nem mesmo em salas de aula. Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional.
Existe um aparelhinho imaginário que muito foi aclamado por nossos pais, mas parece que a maioria de nós se esqueceu de sua “existência”: o "desconfiômetro". Deveríamos usá-lo diariamente e todos os locais.
Não faltam estudos apontando que crianças até três anos de idade são de fato ingênuas, acreditam em tudo o que vêem. No entanto basta que as mesmas alcancem os quatro anos para percebem que não devem crer em tudo que lhes é dito.
Infelizmente, parece que muitos de nós andamos nos esquecendo disso em nossa fase adulta. Como resultado, vivemos em uma sociedade composta de homens e mulheres confusos e enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.
Agravando ainda mais esse processo, aparecem as nossas mídias. Nossa imprensa, até mesmo a escrita, ou faz uso desse processo por motivos comerciais, ou simplesmente não se esforça para esclarecer devidamente temas importantes. Veja o Google, por exemplo. Hoje esse site de pesquisa, indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira. Qualquer "opinião" é divulgada aos quatro cantos do mundo.
Esses sites, não demonstram nem o interesse de agrupar as informações pelo de grau de veracidade das mesmas. Assim, nem o Google, nem o Yahoo – busca, por exemplo, colocam nos primeiros lugares links da Unicamp, USP, UFBA, ou da UEFS, supostamente instituições preocupadas com a verdade. Por que não usar, por exemplo, como critério de seleção a "qualificação" de quem escreve o texto? Ph.Ds., especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado aparecem muitas vezes somente na oitava página classificada por esses ditos sites de pesquisa. Nem preciso refletir sobre as consequências dessa prática em nossa cultura e sociedade a longo prazo.
Saber ouvir (e claro, saber ler) significa, portanto, estar atentos a dois aspectos: primeiro, se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um especialista comprovado, pesquisou intensamente o tema, sabe do que está falando ou é na verdade um idiota qualquer que mal ouviu falar a respeito de um tema e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada; e segundo, se o autor está deliberadamente mentindo.
Por isso, não deixo de reafirmar, saber ouvir é uma necessidade cada vez mais presente nessa era que todos resolveram batizar de "Era da Informação Globalizada" (ou seria era da desinformação?). Afinal o que não faltam são ruídos sem significado científico que nos são transmitidos diariamente por nossas mídias televisivas, além dos blogs, chats, podcasts e internet, sem o menor respeito ao leitor/ouvinte.
De quem é a culpa? Em minha opinião (e, por falar nisso, não se esqueçam, esse espaço é minha opinião e, como opinião, também merece ser analisada e não tomada como verdade absoluta) essa é mais uma conseqüência da visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma tese, como se teses não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitidas.
Infelizmente, nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da filosofia que nos propõe indagar o que é real, o que dá para ser mensurado ou não, e assim por diante.
Embora o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos na "Era da Desinformação" porque não sabemos ouvir. Foi por isso que as "elites" intelectuais da França, Itália e Inglaterra no século XIV criaram as várias universidades com catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões oportunistas e espertos pregando mentiras.
Há 500 anos nós, professores titulares, especialistas, mestres e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando "verdades" ao grande público. Hoje, essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente desaparecendo, com sérias conseqüências. Ou seja, ou aprendemos a ouvir, ou estaremos mais longe da verdade a cada dia.