Você sabe ouvir?

18 de setembro de 2011 \\ Osmando Barbosa

Você, caro leitor, tem um bom ouvido? São poucas as pessoas que, de fato, sabem ouvir. Aliás, essa reflexão me remete a outra pergunta: para você, leitor amigo, o que é saber ouvir? Tenho certeza que a maioria está a pensar que saber ouvir significa simplesmente saber calar-se, prestando atenção ao próximo. Isso, sem dúvidas, é importante, afinal se não soubermos à hora de nos calar nunca aprenderíamos nada de novo com ninguém. No entanto, não é bem essa a qualidade que agora exalto.

Saber ouvir também é manter-se atento a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados. Ou seja, não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, nem mesmo em salas de aula. Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional.

Existe um aparelhinho imaginário que muito foi aclamado por nossos pais, mas parece que a maioria de nós se esqueceu de sua “existência”: o "desconfiômetro".  Deveríamos usá-lo diariamente e todos os locais.

Não faltam estudos apontando que crianças até três anos de idade são de fato ingênuas, acreditam em tudo o que vêem. No entanto basta que as mesmas alcancem os quatro anos para percebem que não devem crer em tudo que lhes é dito.
Infelizmente, parece que muitos de nós andamos nos esquecendo disso em nossa fase adulta. Como resultado, vivemos em uma sociedade composta de homens e mulheres confusos e enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.

Agravando ainda mais esse processo, aparecem as nossas mídias.  Nossa imprensa, até mesmo a escrita, ou faz uso desse processo por motivos comerciais, ou simplesmente não se esforça para esclarecer devidamente temas importantes. Veja o Google, por exemplo. Hoje esse site de pesquisa, indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira. Qualquer "opinião" é divulgada aos quatro cantos do mundo.

Esses sites, não demonstram nem o interesse de agrupar as informações pelo de grau de veracidade das mesmas. Assim, nem o Google, nem o Yahoo – busca, por exemplo, colocam nos primeiros lugares links da Unicamp, USP, UFBA, ou da UEFS, supostamente instituições preocupadas com a verdade. Por que não usar, por exemplo, como critério de seleção a "qualificação" de quem escreve o texto? Ph.Ds., especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado aparecem muitas vezes somente na oitava página classificada por esses ditos sites de pesquisa. Nem preciso refletir sobre as consequências dessa prática em nossa cultura e sociedade a longo prazo.

Saber ouvir (e claro, saber ler) significa, portanto, estar atentos a dois aspectos: primeiro, se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um especialista comprovado, pesquisou intensamente o tema, sabe do que está falando ou é na verdade um idiota qualquer que mal ouviu falar a respeito de um tema e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada; e segundo, se o autor está deliberadamente mentindo.

Por isso, não deixo de reafirmar, saber ouvir é uma necessidade cada vez mais presente nessa era que todos resolveram batizar de "Era da Informação Globalizada" (ou seria era da desinformação?). Afinal o que não faltam são ruídos sem significado científico que nos são transmitidos diariamente por nossas mídias televisivas, além dos blogs, chats, podcasts e internet, sem o menor respeito ao leitor/ouvinte.

De quem é a culpa? Em minha opinião (e, por falar nisso, não se esqueçam, esse espaço é minha opinião e, como opinião, também merece ser analisada e não tomada como verdade absoluta) essa é mais uma conseqüência da visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma tese, como se teses não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitidas.

Infelizmente, nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da filosofia que nos propõe indagar o que é real, o que dá para ser mensurado ou não, e assim por diante.

Embora o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos na "Era da Desinformação" porque não sabemos ouvir. Foi por isso que as "elites" intelectuais da França, Itália e Inglaterra no século XIV criaram as várias universidades com catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões oportunistas e espertos pregando mentiras.

Há 500 anos nós, professores titulares, especialistas, mestres e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando "verdades" ao grande público. Hoje, essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente desaparecendo, com sérias conseqüências.   Ou seja, ou aprendemos a ouvir, ou estaremos mais longe da verdade a cada dia.