Respeito à vida, essa é a chave
Para o leitor que não sabe este que vos escreve semanalmente nesta coluna, apesar de ter muitas de suas emoções voltadas à Princesinha do Nordeste, reside na verdade em Valença, município que dista 200 quilômetros de Feira de Santana. Para quem nunca ouviu falar, Valença é a maior cidade da região chamada de "Costa do Dendê" e que vai de Cairu até a própria Valença. Cidade colonial da segunda metade do século XVIII, Valença detém um valioso patrimônio arquitetônico e cultural, presente nas suas calçadas de pedras irregulares, nos sobrados coloniais e nas ruínas da antiga fábrica de tecidos. E mais:
Valença possui um vasto patrimônio natural, o que inclui 15 quilômetros de praias, imponentes cachoeiras, belas ilhas, o grandioso Rio Una e um vasto manguezal. O turista também conta com o turismo ecológico: passeios de barco pelos rios e reservas de mata atlântica são imperdíveis, dada a beleza com que a natureza se apresenta aos olhos. O litoral de Valença é formado por apenas duas praias, sendo que a Praia de Guaibim é uma das mais procuradas de todo o litoral baiano. Além disso, Valença garante acesso fácil até o complexo turístico de Morro de São Paulo.
No entanto, apesar de tanta beleza, é nas páginas policiais que a cidade tem aparecido com maior frequência. Os dados são tão alarmantes. Para se ter uma idéia, foram 81 assassinatos no ano de 2012, mais que dobro do ano anterior (em 2011 foram 39 crimes que levaram à morte). Para se ter uma noção do quanto a situação é alarmante, basta comparar com nossa Princesinha. Em um ano, o número de assassinatos em Feira cresceu 14%, em Valença, 107%!
Diante dessa situação, o medo tem sido uma constância. Não sabemos bem o que pensar, principalmente quando as justificativas para atos de barbáries são frágeis. Mata-se por nada, de maneira cruel. E aí não refiro apenas à nossa Princesinha do Baixo Sul. Quem não se lembra do caso amplamente noticiado semanas atrás da dentista queimada em seu consultório por não ter dinheiro? O leitor sabe que essa mesma cena se repetiu numa cidade do interior de São Paulo, dias depois? Pois é, caiu por terra aquela máxima de que a violência nas pequenas cidades, se existir, será em proporção bem inferior a dos grandes centros.
As pessoas pouco se importam com as outras e menos ainda parecem sentir culpa pelo que fazem, a exemplo de Meursault, personagem de Albert Camus no romance “O Estrangeiro”. Nesta história, o protagonista é um homem que não liga para nada a não ser a si próprio: não sofre a morte da mãe por ter muito sono e mata um semelhante por se perturbar com o calor.
Resolver o problema da violência como um todo está fora do nosso poder. Seja como pais, educadores ou cidadãos. Também não adianta cruzarmos os braços e nos atermos ao velho discurso, mesmo que verdadeiro, de que a pobreza, falta de educação ou um sistema de justiça atrapalhado são fatores únicos nesta questão.
Temos que pensar o que podemos fazer para criar nossos filhos de maneira diferente, em que as coisas e as pessoas tenham realmente valor. Hoje, temos vivido a era do descartável. Nada mais é consertado ou aproveitado (indo na contramão da sustentabilidade – por mais que se saiba da necessidade do reaproveitamento das coisas, isso pouco se faz). Inclusive nas relações pessoais. Por exemplo, ninguém mais dá o tempo necessário para se construir um casamento. Não interessou mais ou está difícil, divorcia-se.
Por isso, nossos filhos não pensam duas vezes em exigir a boneca ou o carrinho que acabou de ser lançado, jogando fora o antigo. Pouco se reflete se este modelo mais novo apenas mudou a roupinha ou a cor do antigo. Pior. Presenciamos, o tempo todo, que assim que nossos pupilos ganham o produto desejado, muitas vezes o deixam de lado, afinal o bem se torna obsoleto cada vez mais rápido nos dias de hoje.
Se o filho tem um problema com alguém, seja criança ou adulto, os pais logo interferem. Não para ajudar em sua resolução, através de uma conversa, por exemplo. Mas simplesmente para tirar satisfação. Proteger a prole parece ser o único objetivo dos pais nos dias de hoje. Passa-se aos filhos a idéia de que os mesmos podem fazer tudo, que logo chegará o superpai (ou supermãe) para salvá-lo.
O maior erro é que não estamos criando nossos filhos com a possibilidade de sentirem a falta e, consequentemente, construírem modos possíveis de conseguirem aquilo que querem. Em que o outro é levado em conta, dentro de suas necessidades e direitos. Como o mais básico que é a vida. Apenas há espaço para o querer desenfreado e imediato e para tirá-lo da frente aquilo que atrapalha.
Não já está na hora de ensinar nossos rebentos a valorizarem o que têm? Inclusive a sua vida e a do outro? Talvez assim, as crianças de hoje percebam que há espaço para todos. Talvez assim os adultos de amanhã se dêem conta do quanto é importante respeitar seus limites e os limites dos outros.
Osmando Barbosa Caldas Filho